T02 Ep 02 O caso Helinho Justiceiro
O caso
Pernambuco era considerado um
dos Estados mais violentos do Brasil nos anos 90.
Recife e a região metropolitana,
tinham índices altíssimos de violência. Assassinatos, roubos, estupros. Era uma
guerra civil sem fim.
Era comum achar corpos nas
vielas, nas ruas e principalmente, nas favelas. Que, como ainda hoje, estavam
abandonadas a própria sorte.
E foi nesse cenário violento e
confuso, onde o certo se misturava com o errado e sobreviver era uma luta
diária, que surgiu o Helinho Justiceiro, o homem que dizia ter matado mais de
60 bandidos.
Hélio José Muniz Filho, nasceu
na cidade de Camaragibe no dia 22 de junho de 1977.
Hélio era um dos filhos do
casal, Hélio José Muniz e Maria José Muniz.
Helio cresceu na periferia.
Vendo como a violência afetava a vida das pessoas.
Ele cursou até a 5ª série, em
uma escola em Iputinga, bairro de Recife, onde ficava a favela do Detran,
comunidade que ele e a família morava.
Helinho trabalhou como
segurança, ajudante de mecânico e lanterneiro.
Mas, uma trágedia mudaria a vida
dele para sempre.
Em 1993, um dos cunhados de
Hélio, chamado Manoel, é assassinado por criminosos, com 10 tiros, por causa de
uma bicicleta. Sim, executaram o homem, pra poder roubar uma bicicleta. Porque,
10 tiros, se não é uma execução, eu não sei mais o que poderia ser.
Hélio tinha 16 anos. Apesar da
violência , a pobreza e o medo serem algo com a qual ele convivia desde sempre,
pela primeira vez, tinha atingido diretamente a família dele.
Naquele momento, Hélio se
revoltou e decidiu que ele mesmo daria um jeito na criminalidade.
Ele juntou outros meninos, da
mesma idade ou um pouco mais velhos, e começou um grupo de extermínio chamado,
Os Vingadores. Eles começaram a atuar na periferia de Camaragibe. Alguns dos membros eram: Coquito, Dai, Val
Gordo, Val Ninja e Claudinho, como era conhecido Cláudio dos Santos Barbosa,
que vai voltar a aparecer aqui daqui a pouco.
Grupos de extermínio, são
matadores de aluguel. Muitos correlacionam eles ao cangaço, já que grupos de
extermínio são muito comuns no Nordeste, mas tambem acontecem em outras
regiões, como o grupo de Hildebrando Pascoal, que já falamos aqui, no episódio
14 da primeira temporada, o crime da motosserra.
E sim, Helio e os outros,
começaram unindo o dinheiro ao que eles consideravam justiça: matar os alma
sebosas.
As almas sebosas, era uma
expressão usada na periferia e que se referia ao criminosos que roubavam dos
pobres, dos necessitados.
Em Camaragibe era muito comum
roubou e furto de coisas simples, como carteiras e bicicleta.
O primeiro assassinato de Hélio
foi contra o chefe do tráfico do bairro em que ele morava.
Hélio descobriu quem havia
matado seu cunhado. Tinha sido um traficante de alcunha “Paulistano” (que não
sabemos se é nascido ou não em são Paulo capital).
Hélio, vai atrás de Paulistano
acertar as contas. Mandou Paulistano ajoelhar, rezar e acabou com a vida dele
com tiros na cabeça, sem dó, sem piedade.
A fama de justiceiro começou a
se alastrar por Camaragibe e pelos subúrbios da Grande Recife.
As pessoas começaram a ir até
Helinho, agora já conhecido como Justiceiro, para denunciar furtos, roubos,
assassinatos, estupros, brigas.. Em uma comunidade onde o governo já tinha
virado as costas, eles se apegaram ao que para eles, era a ultima chance de ter
justiça.
Antes de me formar em
Administração, eu estudei História, na Rural do Rio de Janeiro, e se tem algo
que todo historiador ama é contextualização. E eu acho importante a gente
tentar contextualizar a razão da existência de Helinho.
O cenário em que Pernambuco como
um todo estava passando naquele momento e, analisando de forma macro, o Brasil
havia acabado de passar por anos econômicos extremamente difíceis, o pais havia
voltado a ser uma democracia há apenas 10 anos, mas eleições diretas so tinham
ocorrido há 5 anos. O pais tinha passado pelos anos Sarney, pelos desastrosos e
escandalosos anos Collor, com sequestro de poupanças, dinheiro desvalorizado,
escassez de mercadorias... O impeachment inclusive tinha acontecido ha muito
pouco tempo.
O plano Real só tinha tido sua
primeira fase ainda. Era tudo incerto. O brasileiro não tinha esperanças de que
um dia, as coisas poderiam ser diferentes do que haviam sido nos últimos anos.
E a economia, influencia diretamente no aumento ou diminuição da violência.
A ausência de assistência
social, do olhar cuidadoso do Estado aos mais necessitados, abriu brecha para
que uma figura, como a de Helinho, pudesse surgir. Ele era a alternativa viável
para todo aquele que não aguentava mais, trabalhar tão duro e no fim do mês,
ter todo seu salario roubado no caminho de casa, de ter o pouco que conseguiu
conquistar, levado depois que bandidos invadiam sua casa.
Helinho até dizia que sentia
simpatia pelos ladroes de banco, porque eles, pelo menos roubavam de quem era
rico.
O que na verdade é um mito.
Roubar o banco não deixa o dono dele menos rico. Só torna o cliente do banco
mais pobre, porque o prejuizo é repassado em forma de aumento de tarifas
bancárias, aumento nas taxas que aquele banco utiliza, claro que, não ultrapassando
a determinação das regras que o Banco Central tem para regularização e tbm do
modelo de governo né, tem governos que optam por interfir na economia mais
outros menos, ,outros preferem o livre mercado...
Mas o que importa é de que,
infelizmente, a gente, sempre sai perdendo.
Essa ideia de justiceiros não é
nova no Brasil. Desde o Brasil império eles existem. O grupo de justiceiros
mais famoso é o de Lampião, que alias, era pernambucano (quem não conhece a
historia de Lampião e Maria Bonita?).
Helinho sempre ia acompanhado
limpar a cidade. Tinha preferencia por matar com tiro na cabeça, acho que
imaginando que assim, a pessoa não teria chances de viver, mas a grande maioria
dos que matou, morreram com tiros nas costas, porque corriam.
O grupo tinha preferencia por
armas brancas ou arma de fogo.
Há relatos de um ex presidiário
chamado Noca, que Helinho e um dos membros do seu grupo, o João Ricardo Ramos
da Silva, ou Coquito, como era conhecido, assassinou com vários tiros no meio
da rua, a plena luz do dia, sem medo de ser identificado ou ser denunciado.
Em 16 de setembro de 1994, Hélio
mata Luiz Gonzaga Aquino de 28 anos. Luiz cometia pequenos delitos , pequenos
furtos e naquele dia, ele roubou uma bicicleta. Mas aquela bicicleta, custaria
caro a ele. Helio matou Luiz com um tiro na cabeça e outro nas costas. Depois
de Luiz morto, os dois pegaram uma pulseira e um relógio dele.
E é interessante. Porque
conseguimos ver, que aos poucos, Helinho começa a se tornar o que ele mesmo
tanto despreza. Ao furtar de um homem morto, seus pertences, ele não estaria
tbm, se tornando uma alma sebosa?
Toda a comunidade de Vale das
Pedreiras, Jardim Primavera, São Pedro, Favela do Detran e outras tantas
comunidades ao redor, começam a chamar Helinho de Pequeno Principe. Talvez por
ele sempre vê a jiboia comendo o elefante, mas aqui numa analogia a realidade
em que ele estava inserido, onde todos, eram engolidos pelo sistema. Ou talvez,
por ele se tornar alguem relevante para aquelas pessoas. Imagino que não tenha
recebido o apelido por ter como Antoine Saint-Exupéry diz no livro, ter se
tornado eternamente responsavel pelo aquilo que cativas.
Em dezembro de 1997, Helinho
mata 5 pessoas em um único dia. Pessoas essas, que de acordo com ele, teriam
passagem na policia. Sendo assim, criminosos . Os alma sebosas.
Encontrei um processo em que
relata que no dia 17 de janeiro de 1998, Helinho e Claudinho, aquele que eu
citei no começo do episódio, estavam em um taxí na cidade de Jaboatao de
Guararapes, que tbm fica na região metropolitana de Recife.
O motorista, chamado Vital
Lourenço, viu os dois armados. Ele avista uma ronda da policia passando e pede
por ajuda. Deve já ter pensado que iria ser assaltado né?
Os dois estavam indo para
Recife.
Os policiais abordam os dois e
encontra com eles um revolver 38, que inclusive consta até o numero de serie e
as caracteristicas da arma no processo e
cartuchos.
O Hélio que não estava com
nenhum documento, alega que o revolver é de Claudinho.
Nesse processo, o que consta é
que os dois foram soltos mediante pagamento de R$ 90 de fiança e apreensão do
revolver, mas fica bem claro lá, que a arma foi apreendida, mas o dinheiro
relatado que haveria sido pago, nunca foi vista por ninguém. Inclusive essa
denuncia só foi aberta em 1999 e só chegou ao Ministério Público anos depois.
Ela acabou sendo extinta por prescrição devido ao tempo.
Fato é de que, no inicio de
1998, Hélio foi preso.
Ele tinha 19 anos.
Há duas versões referentes a
essa prisão. Na 1ª, ele havia sido parado pela policia depois de uma briga com
outro bandido que era informante da policia. Na 2ª, ele estava dirigindo
embriagado foi parado e detido. Ele teria sido detido na cidade de Paudalho,
enquanto ia para a cidade de Carpina, matar um homem chamado Rui. Se for
verdade, sorte do Rui.
Helinho confessa na delegacia,
entre 60 e 65 assassinatos, mas diz lembrar por nome, somente de 47.
Ele foi enviado para o Presidio
Anibal Bruno. Esse presidio era tido como o mais perigoso de todo o Brasil.
Diversas reportagens chamam o presidio de bomba relógio, bem parecido com o que
estava acontecendo na mesma época, no CEPAIGO, aquele lá em Goias, que um ano
antes, o Leonardo Pareja comandou uma rebelião.
Em 2012, o Presidio Anibal se
transformou no Complexo do Curado, dividido em 3 unidades. Mas sofrendo dos
mesmo problemas, super lotação.
Em uma audiência na Vara de
Execução Penal, ao juiz Adeildon Lemos, Helinho mudou a versão dele dos próprios
crimes. Até antes daquela audiência, ele além de assumir ter matado tantos
criminosos, ele falava dos seus feitos com orgulho, dizia ser amigo da policia,
uma pessoa que trabalhava para ajudar a policia a controlar os índices de
crime, fazendo o que eles não podiam fazer. Mas, na audiência, ele alegou que a
confissão dele foi por coersão. A policia civil da delegacia em Cordeiro, outra
cidade perto de Recife, teria o ameaçado.
Do nada, Helio prometeu que se
mataria se permanecesse preso. Bem, com certeza, naquele lugar bem vindo ele
não era.
O juiz Adeildon pede que a
diretoria do Presidio preste atenção em Helio, já que ele estava dizendo ter
pretensões de se matar e pediu um exame de sanidade mental.
Helio foi julgado por 2 crimes a
principios: os assassinatos de Luiz Aquino, o que havia roubado a bicicleta e o
de Fabiana Cristina da Silva de apenas 13 anos. Ele matou uma criança. Segundo
ele, a morte dela foi necessária, porque Fabiana, namorava um traficante e
começou a dizer dentro da comunidade coisas sobre Helinho, fofoca, e que ela falava em alto e
bom tom, que os traficantes iam pegar ele e o matar . Helinho decidiu que já
que ela dizia que iam matar ele, ela teria que morrer primeiro. Ele a executou
com 1 tiro na cabeça.
Por esses crimes ele pegou 201
anos. Houveram tambem outras denuncias.
A mãe dele, Dona Maria José,
relata, no documentário chamado O rap do Pequeno Principe contra as almas
sebosas, sobre o que ela sentia em relação ao que o filho fazia e como ela,
sendo mãe, se solidarizava com as mães daqueles assassinados pelo seu filho.
O documentário, dirigido e
roteirizado por Paulo Caldas e Marcelo Luna, foi gravado em 2000.
O documentário não é sobre a
vida de Helinho, apesar de usar a historia dele, como pano de fundo para
retratar a realidade das periferias. Até o Mano Brown participa do
documentário. Tem ele completo no Youtube. Vou deixar o link no blog.
O documentário recebeu 8 prêmios, e foi aplaudido de pe no Festival de Veneza. Ele teve uma recepção muito boa pela critica.
Assistam, nem que seja para
ficarem nostálgicos.
Depois do documentário, Helinho
ficou nacionalmente famoso e começou a cobrar, pra dar entrevistas.
E tinha muita gente com saudades
de Helinho.
Os moradores do bairro em que
ele morava fizeram um abaixo assinado com mais de 3500 assinaturas, pedindo que
ele fosse solto.
Helinho, devido ao bom
comportamento na cadeia ganhou a função de chaveiro do Pavilhão J. Era o
responsavel por ajudar a abrir e a fechar as celas.
No dia 15 de janeiro de 2001,
ele estava como chaveiro há 3 meses.
Era dia de visitas. Foi um dia
tranquilo. No fim do dia, os presos começaram a voltar lentamente para os seus
pavilhões. Ainda tinham familiares no presidio, quando ao chegar a cela 7 do
pavilhão, Helinho foi atacado por 3 detentos: Augusto Marques de Oliveira, de
23 anos, Claudio da Silva, de 18 anos e Marcelo Carlos de Lima de 22.
Eles esfaquearam Helinho com
chuchos, no pescoço, costela e braço. Foi uma correria no presidio, uma confusão
generalizada.
Hélio foi socorrido e levado
para o Hospital Otávio de Freitas, mas não resistiu.
Helinho Justiceiro morreu antes de completar 24 anos.
Os 3 assassinos foram autuados e
voltaram para o presidio, onde ficaram em celas sozinhos, isolados.
Não há noticias do que aconteceu
com eles depois.
A motivação, segundo eles, foi
uma rixa antiga que eles tinham com Helio.
Em uma fonte, diz que poderia
ter sido o fato, de quem em 2000, Helio ter ido depor na CPI estadual da
Pistolagem e do Narcotráfico, onde ele deu nomes de pessoas relacionadas aos
Vingadores.
Sabe.. Isso me lembrou muito,
não só esse assassinato, como o do Leonardo Pareja tbm, uma frase que eu ouvi
do Guido Palomba, um psiquiatra forense, em uma entrevista dele para o
Investigação Criminal da Medialand: “O homem é o lobo do homem.”
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